- Patrícia Lara -
SHARITHA
Por que eu tenho que esperar?
- Patrícia Lara -
DORMIR JUNTO
Dormir junto. Definitivamente a melhor e a pior ideia que o ser humano já teve.
Melhor porque é um dos momentos de maior comunhão da vida. Há quem diga que dormir junto com alguém é um ato mais íntimo do que o próprio sexo. Eu não duvido. Partilhar nossas sagradas e escassas horas de sono com alguém é mesmo um ato de entrega, da mais profunda e sincera generosidade.
Por outro lado… Sério. Gente. Que ideia. Sério. Difícil. Muito difícil.
Tudo começa com o horário de ir deitar.
Às vezes um acaba cedendo ao sono do outro, por mais que esteja absolutamente disposto, animado e- o pior de tudo- falante. Deitam na cama. Um se ajeita no travesseiro, se cobre e fecha deliciosamente os olhos. Mas aí vem o Sem Sono e diz algo urgente do tipo “você viu que vai abrir um restaurante de comida indiana perto da casa da sua tia?”. O Com Sono tenta uma resposta do tipo “Ah é? Legal…”, enquanto se afunda um pouco mais no travesseiro. E o Sem Sono insiste “É, mas não sei se vai dar certo não porque os últimos dois restaurantes indianos que eu conheço acabaram fechando e…”. Pronto, tá na cara que não vai acabar bem. O Sem Sono acaba sem respostas, o Com Sono sem poder dormir.
Mas, por fim, o Sem Sono pára de falar e decide se ajeitar na cama. Um já está lá, paradinho, cochilando e o outro começa a procurar posição. Gira pra lá, gira pra cá, dá pirueta, parece um frango de padaria. Conforme ele gira, o que já cochila vai pulando por causa do balanço do colchão, quase como se estivessem numa cama elástica.
Mas pronto. Adormecem. Que bom. Até que um dos dois dá um daqueles bizarros trimiliques semi epiléticos e o outro quase enfarta de susto. Tudo bem. Passou. Dormem de novo.
De repente um deles acorda assustado com um barulho. Não sabe bem se é uma broca no vizinho, um leitão na varanda, um trator na rua ou o Godzilla na janela. Mas não é nada disso. É só aquela pessoinha amada tentando respirar. Inacreditável. A cada ronco até a estrutura do prédio treme. Uns 6,8 na escala de Richter. E é geralmente nessa hora que elas resolvem extravasar todo seu lado afetuoso, abraçando a outra pessoa bem pertinho só para roncar carinhosamente bem na orelha dela.
Superada (ou tolerada) esta dificuldade começam os problemas de termostato. Enquanto um transpira como se estivesse fazendo sauna no inferno, o outro puxa o edredom até o pescoço. E claro, o edredom é um só e acaba cobrindo também aquele coitado que está morrendo de calor, que acaba tentando escapulir uma perna e um braço para fora da cama. Nessas horas, ar condicionado e ventilador causam mais discórdia do que whatsapp de ex. E nas raríssimas vezes em que há harmonia de temperaturas, começa um tipo de cabo de guerra com a roupa de cama. Só sobrevivem os fortes.
Ainda tem aquelas maravilhas periféricas tipo um que baba no braço do outro, um que range o dente sem parar, um que solta frases non-sense durante a noite, um que levanta 5 vezes para fazer xixi, um que vai avançando no terreno alheio até quase jogar o outro no chão, o outro que bebe 6 litros de água durante a noite. Enfim, essas alegrias todas.
Mas os abraços noturnos compensam tudo. Especialmente quando um coloca o braço embaixo da orelha do outro, que começa a ficar quente e vermelha enquanto o braço formiga até o cotovelo travar de dor. No verão então, é uma maravilha. Você mal aguenta o contato com o lençol e recebe aqueles doces abraços de uma criatura cujo corpo está a 36 graus. Meu Jesus.
Para acordar, nada melhor do que um ter programado o despertador e na hora que toca ninguém saber o que está acontecendo. É o seu? É o meu? É a campainha? Até que um bate naquela porcaria e… Coloca na soneca. Dez minutos depois a porcaria toca de novo. E mais dez. E toca. Mais dez. Toca. Detalhe: são 6:40, sendo que o dono do despertador devia ter levantado às 6 e o outro coitado que já acordou 4 vezes só precisava levantar às 9.
Não é fácil.
Mas quando acaba toda essa saga, você olha para aquela pessoa na cama e acaba sorrindo. Não sabe bem por que, mas tem certeza de que aquilo tudo faz sentido: roncos, babas, trimiliques e tudo mais. Não tem jeito, aquela noite atrapalhada é mesmo boa. E por mais confortável que seja uma noite com a cama todo ao nosso dispor, sem disputas por espaço ou por lençol, fica faltando alguma coisa. Uma cama gostosa, inteira e cheia de travesseiros acaba se tornando uma cama vazia.
Coisas que só o amor explica.
Depois que encontrou o lobo, a Chapeuzinho nunca mais foi a mesma
Naquele dia ninguém contou à Chapeuzinho sobre o Lobo. Pediram apenas que ela levasse uma cesta cheia de pães até a avó, que morava lá do outro lado da floresta.
O lobo parecia ser alguém interessado em ajudar. Alguém isento de maldades. Foi assim que a chapeuzinho o viu e dessa forma ele a enganou fácil.
Sabem, grande parte de nós caminha pela vida como a “Chapeuzinho”. Desprevenidos, passeamos por aí carregando o melhor de nós até toparmos com algum lobo no meio do caminho.
Vejam bem, confiar não é um erro. Se um outro nos fizer de gato e sapato, o problema de caráter é dele e não nosso. O que é certo é certo e um dia todo lobo dá de cara com algum bom caçador. Calma, eu entendo, às vezes a lei do retorno tarda, mas ela não falha.
O encontro com o lobo mudou a vida da Chapeuzinho. Ela continuou seguindo rumo a casa da avó, mas desde o dia em que conheceu aquele primeiro lobo, ela passou a carregar consigo novas convicções e um punhado de esperteza em cada um dos bolsos. A vida ensina.
Outros lobos vieram. Jogaram conversa fora. Disseram conhecer um outro caminho melhor, mas a Chapeuzinho não caiu na deles. Não, a decisão pelo caminho seria só dela.
Ela não daria atenção aos que lhe fizessem propostas mágicas. Ela sabia que se cedesse à lábia de algum lobo, e confiasse levianamente, poderia prejudicar não só a si, mas também aqueles que a amavam.
Então a Chapeuzinho ouvia o que os lobos tinham a dizer, sorria e continuava em frente. Ela agora era mais responsável e ponderada. Ela sabia que não deveria mudar de percurso ou deixar de visitar à avó pelo que lhe aconteceu no passado. Ela sabia que, à despeito de um certo temor, ela tinha que continuar, passo a passo. Dia após dia. Sempre em frente. Acreditando no melhor, mas de olhos bem abertos.
Ela entendeu que a mais feia das verdades vale mais que a mentira mais bonita. Que, às vezes é preciso que um lobo apareça para a gente acordar e valorizar o que tem de bonito.
A mãe da Chapeuzinho lançou-a na vida desprevenida, confiando em sua boa natureza, mas a avó, entre um gole e outro de café, lembrou-a do lobo sem, no entanto, deixá-la esquecer de que quando foi preciso, a vida sacou da cartola um bom caçador.
A Chapeuzinho aprendeu que nem tudo são flores e que nem tudo são lobos na vida. A Chapeuzinho aprendeu que o caminho do meio é o melhor caminho.