Josiane, a Jô, era uma máquina de fazer sexo.
Sabem mulher-raimunda, feia de cara, boa de bunda?
Ela era mais ou menos assim: no máximo bonitinha, mas o traseiro!
O traseiro apenas, não.
Tinha seios esculturais, um umbiguinho comovente, coxas deslumbrantes, uma boca inesquecível e uma língua mágica, de chupadora...
Se faltavam adjetivos, sobravam machos para utilizá-los em sua descrição, todos encantados por sua inventividade, seu entusiasmo no fuzuê.
Jamais vendera seu lindo corpo a nenhum deles, embora não se avexasse de aceitar presentes ou empréstimos (que em geral esquecia de pagar) de seus lanchinhos – como chamava, para si própria, os muitos caras que comia.
Jô trabalhava como cabeleireira em um dos mais concorridos salões do Tatuapé.
O atendimento não era lá essas coisas; o que atraía freguesas, que nem moscas na merda (vá lá, no mel...) era o relato das aventuras da máquina de fuder.
A cliente mal entrava e já ia perguntando, os olhos brilhantes, a calcinha começando a molhar de excitação:
- E aí, Jô?
Trepou muito neste fim de semana?
Conte tudo, com todos os detalhes!
- Claro que trepei, amiga!
Xota foi feita pra isso.
E meus machos gostam tanto!
Quase tanto quanto eu.
E ela contava.
Em voz alta, para uma plateia fascinada.
Em suas histórias, todas as mulheres eram chamadas de vadias e os homens, de cornos.
O que dificultava o acompanhamento da trama quando descrevia sua última suruba, com porradas de cornos enfiando seus cacetes em porradas de vadias, incluindo nela.
Naquela segunda-feira, ela descreveu duas trepadas, uma quase convencional (almost, but not quite), no sábado, e outra, no domingo, um tantinho mais selvagem.
- ... e não é que o corno conseguia mijar de pau duro?
Mijou dentro de mim!
Levei um susto mas depois até que gostei, era quentinho...
E aí pediu pra eu derramar a urina em sua boca.
Obedeci, e mijei também, ele recebeu mais do que entregou, hê, hê, hê!
Esse era um dos poucos aspectos negativos de Jô.
Seu riso não era muito atraente, soava como um motor engripado.
O outro episódio, muito mais sacaninha, era sobre uma sessão de sexo domingo à tarde.
O cara, um homem de 60 anos, suplicou para que ela deixasse o cachorro dele participar.
- Disse que não, que nunca tinha feito isso, mas no fim topei.
Nunca digo “essa água não beberei” ou “essa porra não engolirei”, hê, hê, hê.
Os detalhes da parada de zoofilia extasiavam as clientes.
Algumas já se tocavam, indiferentes a quem percebesse.
- ... o cachorro era um mineteiro de primeira, me fez gozar duas vezes com a língua áspera.
O imbecil do corno ficou com ciúmes dele, lá pelas tantas levou o rival para o canil.
Mas castiguei, só me comeu depois de desfilar uma meia hora, de quatro e latindo, pela casa toda, hê, hê, hê!
Depois que as clientes foram embora, deixando caixinhas mais que generosas para Jô - que ela aceitou sem protestar, achava mais que merecido, pelas histórias que contava, pela excitação que levava à vidinha modorrenta daquelas mulheres -, a sex machine avisou a patroa que iria dormir no salão.
Ela deu um sorriso cúmplice para a funcionária e respondeu.
- Claro, nem precisa avisar.
Amanhã me conta tudo.
Em primeira mão!
Jô tomou um bom banho, lavou bem as partes baixas, aplicou perfume no pescoço, entre os seios, abaixo do umbigo, colocou um vestido bem leve e esperou.
Às 22 horas chegou o corno-que-só-gostava-de-ver.
Jô deu-lhe um selinho, levou-o para a parte de cima da loja, escondeu-o atrás de umas caixas, ordenou que ficasse bem quieto, para não atrapalhar a ação na parte de baixo.
Antes de descer, tocou uma punhetinha rápida pro voyeur – “afinal, é disso que esse corno gosta”.
Pouco antes das 23 horas, chegou o corno-da-meteção.
A coisa pegou fogo.
Ele chupou seus seios até ficarem muito doloridos, lambeu-a com maestria (quase tão bem quanto o cachorro do domingo, ela pensou), enfiou-lhe o cacete com força.
Para terminar, enrabou-lhe o furico, que ninguém é de ferro.
Depois que os dois lanchinhos foram embora, ela bocejou.
Estava muito cansada, mas satisfeita.
Dera prazer a dois machos, em uma espécie de ménage virtual.
E gozara adoidado.- Hora de recarregar as baterias – disse a si mesma.
Pegou um vibrador, ligou-o na tomada e enfiou o tarugaço na xota.
Depois fechou os olhos, desligou-se do mundo e apagou.
Não dormiu, máquinas não dormem.
Máquina de Sexo do Tatuapé
A princesa e os gatos
Graça embarcou em um programa de índio.
Ou melhor, de índios: uma estafante viagem de carro, com um irmão e uma sobrinha, de Santa Catarina, território dos kaigangs, até a Paraíba, terra dos tabajaras e potiguaras.
Afinal chegou, cansadíssima, sendo recebida como uma princesa por outra sobrinha e, em especial, pelos gatos da casa.
Eram seis ferinhas, quatro delas apenas coadjuvantes, grande elenco.
Os gatos que se relacionaram com Graça, fazendo-a pagar por seus pecados, chamavam-se Jumbo e Negrita.
Esses eram, claro, os nomes dados por seus escravos.
Em seus miados, eles se chamavam, à nordestina, de “macho véio” e “mulé”.
- Jumbo e Negrita gostaram da senhora, tia
– disse a dona da casa.
– Não param de olhar e roçam as pernas nas suas.
Fez uma conquista!
Os gatos também comentaram.
- Tu achas que ela gostou de nós, macho véio?
- Gostou demais, mulé.
Afinal, somos grandões, bons caçadores, ferozes, podemos guardar bem a casa dela, no sulmaravilha.
Não vai entrar uma cobra que a gente...crau!
– e mudando de assunto:
- Tão bonita... vou chamá-la de princesa!
- Tu já viste alguma princesa, macho véio?
- Vi não, mulé.
Mas sei que chamar de princesa é gentil.
Temos de ser bonzinhos com ela, pra que nos leve pro sulmaravilha.
Que tal dar presentes pra princesa?
- Ótima ideia, macho véio.
No dia seguinte, quando Graça ia tomar banho, Jumbo entrou no banheiro, trazendo uma cobra morta entre os dentes.
Colocou-a aos pés dela e ficou à espera de um carinho de agradecimento.
Mas ouviu um berro que o assustou, enquanto a humana saía correndo do banheiro, enrolada numa toalha, e se trancava no quarto.
- E então?
A princesa gostou do presente, macho véio?
- Gostou não, mulé.
Acho que a cobra era pequena, no sulmaravilha deve ter cobronas maiores que sucuris...
- Agora é minha vez de presentear, macho véio.
Horas depois, refeita do susto, Graça/princesa estava no sofá quando Negrita/mulé entrou, com um sapo na boca, e o colocou aos pés da sulmaravilhista.
Outro berro, outra corrida pro quarto.
Os gatões comentaram, decepcionados:
- Acho que ela não gostou, macho véio...
- Vai ver, os sapos do sulmaravilha também são enormes, maiores que os daqui.
Vamos continuar tentando, se não, a princesa não nos leva pra lá...
- Acho que ela não gosta de bicho morto, macho véio.
- É, pode ser – e Jumbo/macho véio cofiou os bigodes, pensativo.
No dia seguinte, ao acordar, Graça/princesa deparou-se com uma quádrupla visita: Jumbo/macho véio, Negrita/mulé e duas cobras semimortas, que ainda se debatiam entre os dentes das duas ferinhas.
Cobras sem veneno, porque, parafraseando Adoniran Barbosa, os dois era gato, num era tatu.
Mas a princesa não sabia disso.
O berro, dessa vez, superou todos os decibéis, e ela correu até o irmão:
- Vou embora AGORA!
Me leva pro aeroporto!!!
Ao entrar no carro, ela ainda viu, pelo retrovisor, dois gatinhos de expressão triste, que agitavam as patas, em despedida, enquanto faziam lanchinhos das duas cobras, inexplicavelmente rejeitadas pela princesa do sulmaravilha.
Sexo online
Eva era argentina.
Mas não uma dessas mulheres pálidas, esguias e sofisticadas, quase europeias, que flanam pelas ruas nas tardecitas de Buenos Aires.
Nascera e sempre vivera em Puerto Iguazú, província de Misiones, na chamada Trúplice Fronteira, a poucos quilômetros da cidade brasileira de Foz do Iguaçu.
Tinha 38 anos.
Era uma morena atraente, de cabelos negros, seios e bunda grandes; sabia-se bela, mas não de uma beleza que entusiasmasse seus compatriotas – los boludos, chamava-os com desdém.
Era uma beleza mais brejeira, brasileira,
Era isso, acreditava (e, se não fosse verdade, se a sua aparência fosse herdada de índias do Paraguai, também vizinho na Tríplice Fronteira, não fazia a menor importância).
A morena jamais perdoara aos pais duas coisas.
Seu nome, homenagem “àquela perua da Eva Perón”; e a pressa de sua mãe em parir do lado errado da fronteira.
“Custava ela ter segurado um pouquinho e chegado a Foz do Iguaçu? Eu seria brasileira, carajo!” (Carajo era um dos poucos palavrões boludos que usava, achava-o mais expressivo que o caralho brasileiro.)
Mas só dizia isso a si mesma, em raras ocasiões, bem baixinho, para não incorrer em crime de lesa-brasilidade; pois seu maior desejo, seu projeto de vida, era ser brasileira, mudar com arma e bagagens (ou sem elas, tanto fazia), para os pagos tupiniquins. Foi por isso que, após o término de um casamento horrível com um boludo filho da puta, partiu para a ofensiva.
Selecionou nas redes sociais vários senhores brasileiros – idade mínima 50 anos, máxima o céu era o limite – e pediu-lhes amizade.
Em sua página, aparecia toda vestida, mas com um decote generoso, a exibir-lhe os seios fartos; foi como oferecer sangue a vampiros.
Todos aceitaram, e começaram a pedir fotos mais reveladoras, de preferência nudes.
- Meu amor, manda uma foto nuínha, quero ver seus peitos e sua buceta – dizia a tigrada.
Ela atendia, com um sorriso sacana.
Em seguida, pediam mais:
- Amor, manda um vídeo se tocando, se masturbando; no Brasil, isso se chama siririca.
Ela sabia, tinha um português quase perfeito e era PhD em putaria à brasileira.
- Mando sim, mas antes quero saber uma coisa: você quer algo sério comigo?
E aí a moçada (a rigor, a madurada) se dividia.
Alguns confessavam que eram casados; outros diziam a idade (ela já sabia, pelas redes sociais), que estavam velhos demais para um relacionamento sério, só queriam mesmo brincar.
Ela dava um suspiro e os esquecia.
E o transetê continuava.
Havia, para começar, os predadores da pesada:
- Claaaro que quero algo sério!
Vou trazer você pro Brasil.
Mas antes, toca umazinha pra eu ver...
Ela fingia acreditar e obedecia.
Tinha pior:
- Quero casar com você!
Mas agora, faz o vídeo se tocando e chama uma amiga pra uma briga de aranha, gosto de ver...
O primeiro lugar coube a um filho da puta que falou que casava, claro que sim, mas queria que ela arranjasse um macho para fudê-la, gostava de assistir a essas coisas...
Esse, ela bloqueou no ato.
E então Olívio entrou na vida de Eva.
Era gaúcho, gostava de mate (chimarrão), de tango...
Encantou-se pela índia, era assim que a chamava.
Nem precisou perguntar se ele queria algo sério, o gauchão tomou a iniciativa.
- Índia, estou me apaixonando por ti.
Estou pensando em trazê-la pro Brasil, pra morar comigo.
Tu aceita?
- Mas não queres me ver nua antes?
Se quiser, eu mostro...
Ele deve ter engolido em seco, mas respondeu bravamente;
- Bah, não precisa, Índia.
Espero pra tu estar em meus braços.
Vou mandar uma passagem de avião.
Embarque em Foz do Iguaçu.
Ela veio, o encontrou, foram pra casa dele, treparam a noite inteira.
E foram felizes para sempre?
De certo modo, sim.
Após três meses de vida a dois, Eva começou a sentir falta de umas coisinhas.
Não que ele fosse ruim de cama, muitas vezes ela gozava, mas faltava algo...
Um dia, ela se tocou: estava tudo bem comportado demais, uma pitada de pecado, de transgressão, era essencial.
Recordou suas emoções ao se tocar, se acabar na siririca, ante os olhos ávidos da tigrada.
E percebeu que o sexo online havia lhe trazido prazeres indescritíveis.
Ou, quem sabe, feito aflorar a exibicionista que dormitava dentro dela.
Ficou uns 15 dias pensando no que fazer, até decidir-se.
Construiu um perfil falso nas redes sociais, com o nome de Exi.
“Se alguém achar estranho, explico que meus pais eram argentinos exilados, nasci no exílio, daí o nome”, disse a si mesma.
“E no Brasil há nomes tão estranhos...”.
O passo seguinte foi partir pra putaria, fotos de biquini ou com os lindos seios quase exibidos em um roupão semiaberto.
E aceitar, sem mais, quando os predadores que lhe pediam amizade implorassem por fotos nuas e vídeos e masturbando.
Foi assim que Eva, a Índia, fiel companheira de Olívio, passou a conviver com Exi, a exibicionista.
Agora sim, estava feliz de verdade.
Mas sempre havia, no seu harém, um imbecil que ousava manifestar sentimentos, falar de amor.
- Deu chabu, boludo – postava, antes de bloqueá-lo.
´´´´´´ Rivais( baseado em fatos reais do GD )
Conto baseado em fatos reais gamedesireanos ahahahahahahha
Eram dois senhores, dois velhinhos.
Não estavam com o pé na cova, mas o dedão já se aproximava perigosamente da beirada.
Um tinha cabelos branquinhos; o outro, uma careca luzidia.
Eram contistas – quase ignorados pela crítica mainstream, mas de relativo sucesso nas redes sociais em que postavam seus textos.
Moravam em estados diferentes e um nunca tinha ouvido falar no outro.
O pior é que eram xarás, um se chamava André, e o outro, André Luiz.
Como se não bastasse o mesmo nome, os deuses, com seu humor perverso, fizeram um deles ingressar em um grupo literário a que o outro já pertencia.
“ Ei, outro contista ? ”, pensaram ambos.
E foram conferir, cachorros que se cheiram mutuamente, rosnando, antes de partir para as dentadas.
- O fidaputa escreve sem parar, em seu primeiro dia aqui postou três contos! – disse um deles a si mesmo.
- O fidaputa até que escreve mais ou menos bem – disse o outro a si mesmo, com uma generosa dose de inveja.
Ambos tomaram a única decisão possível nas circunstâncias: ignorar-se mutuamente.
Claro que liam o que o rival postava, era preciso, mas nunca, jamais, em tempo algum deram uma curtida, fizeram um só comentário, nem contra, muito menos a favor.
Claro que não eram amigos nas redes sociais, um só conhecia os cornos do outro pelas postagens.
E prosseguiram em sua mala dicha no grupo, enquanto o ciúme, o monstro dos olhos verdes, tomava conta de seus corações.
Certo dia, um deles leu sobre o lançamento de um livro do rival.
Seria em sua cidade, em uma livraria perto de sua casa.
Decidiu comparecer.
Pegou sua bengala (andava com certa dificuldade, e bem que ela poderia ajudá-lo a ensinar uma coisinha ou duas àquele fidaputa) e, 15 minutos depois da hora marcada para o lançamento, entrou na livraria.
Havia pouca gente.
“Fracasso total”, exagerou.
Viu o outro contista em uma roda, também apoiado em uma bengala, feliz como pinto no lixo.
“Vou tirar o sorriso da cara de idiota dele a bengaladas”, decidiu.
Aproximou-se
- Você é o contista...
Não terminou a frase, cortado pelo outro.
- Sou sim, contista fidaputa
– E desferiu no rival uma bengalada.
O outro respondeu à altura.
Diante da chuva de pancadas recíprocas, o dono da livraria chamou a polícia.
Cobertos de equimoses, os dois velhinhos foram levados à delegacia.
E aí surgiu um problema: que dizer à autoridade?
Ridículo mencionar rivalidade literária.
Duelo por honra ferida, no melhor estilo do século XIX, pior ainda.
Ciúme dos textos do outro, então, nem pensar.
Tratava-se, na verdade, de rabujice de velho, mas nenhum deles admitiria isso.
Afinal, depois de hesitar muito, um deles falou:- Nunca vi ele [pura verdade].
Se aproximou com a bengala, achei que ia me atacar [verdade parcial].
- Achei que ele era um salafrário que me prejudicou nos negócios, cara de um focinho do outro... [mentira deslavada].
- Os senhores estão velhos, deviam estar em casa brincando com os netos, não trocando bengaladas – disse o delegado.
– Ora, saiam daqui, tenho mais que fazer!
Os dois saíram carrancudos, em silêncio, apoiados em suas bengalas.
Um não olhou para o outro.
Seguiram pela rua em direções opostas.
O arranca-rabo literário prosseguiu no grupo, mas agora, sem bengaladas físicas ou metafóricas, envolto em uma nuvem de silencioso menosprezo.
Minha filosofia
"Minha filosofia é: o que as pessoas dizem sobre mim não é da minha conta. Eu sou quem sou e faço o que faço. Não espero nada e aceito tudo. E isso torna a vida mais fácil. Vivemos num mundo onde os funerais são mais importantes que os falecidos, o casamento é mais importante que o amor, a aparência é mais importante que a alma. Vivemos em uma cultura de embalagens que despreza o conteúdo.” ❤️
Sir Anthony Hopkins
Seus olhos se fecharam
Era a madrugada da terça-feira de carnaval no Rio de Janeiro.
Nas ruas, reinava um louco burburinho, mesclado ao som dos pandeiros e outros instrumentos de percussão.
Fantasiado ou não, todo mundo ria, feliz ou, no mínimo, se divertindo.
Essa confusão alegre subia da pista da avenida Rio Branco, na Cinelândia, até o quartinho de um hotel barato, onde Eva agonizava.
Xavier gostava de samba, já havia comparecido antes ao carnaval do Rio de Janeiro.
Mas foi a primeira vez que trouxe Eva consigo – “a primeira e a última”, pensou, amargurado.
Ela se recuperava de uma grave doença, a viagem seria um presente.
“Uma viagem, um presente de despedida”, disse a si mesmo.
Nas ruas, o batuque soava forte e impetuoso, cheio de vida, tão diferente dos acordes e dos poemas lancinantes dos tangos, que os dois tanto amavam.
“Ah, se tivéssemos ficado em Buenos Aires...”, censurou-se pela milésima vez.
“Ali tínhamos médicos conhecidos, hospitais, amigos para amparar-nos.
Aqui, não conheço ninguém, e logo ficarei sozinho, Eva será roubada de mim pela morte.
Nunca mais vou ouvir seu riso cristalino, seus lábios nunca mais vão me beijar”.
Ele sabia que iria receber censuras por não ter levado Eva a um hospital.
Tinha certeza, porém, de que a morte da amada era inevitável, e queria passar até o último segundo junto a ela, cobrindo de beijos aquelas mãos que ficavam mais frias a cada momento.
Não pretendia perder aqueles momentos preciosos, entregando-a aos cuidados impessoais de uma equipe médica.
Eva partiu ao romper do sol, na quarta-feira, quando o silêncio voltou a dominar a cidade.
Xavier lembrou de uma quadra da canção Maria, carnaval e cinzas:
" Morreu Maria quando a folia/Na quarta-feira também morria/E foi de cinzas seu funeral/ Viveu apenas um Carnaval”.
Pensou que era um bom epitáfio, mas logo fez que não com a cabeça e abriu um sorriso amargo.
“Não, Eva viveu mais, muitíssimo mais que um carnaval.
Viveu cada momento de seu trabalho como artista visual, que amava; viveu cada compasso dos tangos que bailávamos; viveu cada segundo de nosso amor, aninhada em meus braços, afastando minhas tristezas com as carícias bondosas de suas lindas mãos”.
E, com o coração cheio de cinzas, pela primeira vez, desde o começo da agonia da amada, Xavier conseguiu chorar.
----- > Ceguinho
Todo velho cego toca um instrumento musical.
José se enquadrava em mais de dois desses três termos da oração, digamos, em uns 2,5: era velho, tocava (bem) violino e não era cego, mas fingia ser.
Daí o 0,5 ponto.
Ele integrava um conjunto musical que percorria as províncias da Argentina, se apresentando em boliches e festas locais.
Era a grande atração da trupe, solava, com seu violino, velhos tangos tristes, que faziam muita gente chorar. (Sem dúvida, a forte aguardente generosamente entornada também contribuía para isso.)
Certo dia, José acordou com um terçol brabo.
Mas não podia abandonar os companheiros, colocou óculos escuros e foi tocar.
Deixou, como sempre fazia, o chapéu pendurado na cadeira, mas o vento o derrubou no chão, aberto para cima.
Ele não percebeu, tocava de olhos fechados, entregue à música e à poesia lancinantes do tango.
Só no final viu que seu chapéu estava cheio de dinheiro, gorjetas deixadas para o ceguinho, coitadinho.
Foi assim que tudo começou.
Ele jamais disse que era cego e nunca pediu um tostão, mas tocava de óculos escuros, o rosto o mais imóvel possível, o chapéu aberto para cima no solo.
O dinheiro extra chovia, ganhava mais de duas vezes a sua parte como integrante do conjunto.
Certa noite, depois de seu grupo se apresentar em uma festa de casamento, ele transferia o dinheiro do chapéu para os bolsos quando sentiu, pelo perfume, uma mulher passar bem junto dele.
Olhou-a sob os óculos, era a mais bonita da festa, mas tinha dono, havia tangueado a noite inteira com um sujeito de ar feroz e possessivo, com cara de pouquíssimos amigos (mais provável, nenhum).
José deixou escapar um suspiro, mescla de admiração e tesão (era velho, mas não estava morto).
Azar dele, o corno em potencial deu-lhe um bofetão e exclamou:
- Você diz que é cego (mentira, José nunca dissera isso) mas tá babando na minha mulher (verdade), né, veio fiodaputa?
E começou a chutar o “ceguinho”, caído no chão.
Antes de desmaiar, para só recuperar os sentidos na Santa Casa da cidadezinha, José ainda pensou:
“E eu que achava que, quando morresse, iriam acompanhar meu enterro entoando tangos, milongas e outras canções... Bobagem minha, perigo partir sob uma chuva de pontapés e palavrões ! ”
Troca-troca vampiresco
Luisinho adorava troca-troca.
Mais precisamente, adorava ser o comedor na primeira troca.
E fugia da segunda como um vampiro foge da cruz.
No seu caso, isso era a pura expressão da verdade: era um vampirinho de 50 anos, aparentava 10 (idade em que foi transformado), e não era nada chegado a símbolos religiosos.
Ele havia bolado um esquema infalível.
Só partia para a sacanagem com outros vampirinhos em sua casa, minutos antes do anoitecer, quando sua “mãe” – a vampirona que cuidava dele – despertava e saía do caixão.
Começavam com mordidinhas no pescoço, preliminar obrigatória para a espécie.
Depois, enfiava sem dó a piroquinha no parceiro.
Não gozava direito ainda (na verdade, jamais gozaria, ficaria para sempre um vampirinho), mas achava muito gostosa a sensação antes do líquido sair do seu peru.
Quando iam partir para a segunda troca, ouviam barulhos na sala.
É a vampirona que cuida de mim, ela costuma levantar mais tarde.
Vai pra casa.
Na próxima vez a gente faz direito – dizia sempre ao ex-quase enrabador.
Após umas duas tentativas, o enrabado percebia o jogo e desistia, puto entre as calças.
Mas a turma era grande, não faltavam vampirinhos para serem seduzidos e logo em seguida abandonados.
Certo dia, Luisinho ia troca-trocar com um vampiro mais velho, de 110 anos e aparência de um adolescente de 14.
Depois de enrabar o parceiro, Luisinho começou a enrolar, esperando ouvir os ruídos da “mãe”.
Só que a vampirona ia participar de uma caçada aos humanos que duraria a noite toda e decidira descansar por mais tempo. Silêncio total na casa.
O vampiro de 50 anos percebeu, resignado que teria de dar a bundinha, ou levaria uma surra do meninão de 110 anos.
Com um suspiro, abaixou o calção.
Adorou.
“Se soubesse que era tão gostoso, tinha dado o rabo antes”, admitiu.
Desde esse dia, os troca-trocas de Luisinho continuaram a se realizar logo depois do cair da noite, sempre em sua casa.
O que mudou foi o cronograma: 10 minutos para ele e uns 30-40 minutos para o vampiro enrabador.
Enquanto tem o pescoço mordido e o cu arrrombado, Luisinho geme alto de prazer.
A vampirona ouve, sorri, mostrando as presas afiadas, e se limita a murmurar:-
Vampiros são todos iguais, dos 50 aos 5000 anos, adoram uma trolha no furico, rs, rs.
Afinal, quem já perdeu a vida não dá a mínima para o fato de um vampirinho sob seus cuidados, igualmente sem vida, ter perdido as pregas do cu.
A pomba gira Dê dá
Dê
Ela era uma demoninha tesuda.
Não tinha nome, só a elite infernal tem esse atributo, o resto é “grande elenco”.
E fazia coisas ruins ...
Claro, era uma demônia , mas só com seus machos.
Por exemplo, quando estava chupando o atleta, mordia forte, fazendo-o uivar de dor, mas nunca a ponto de arrancar-lhe a rola. “Seria um desperdício”, justificava..... “Ela é tão gostosa...”.
E quando a trepada estava uma delícia, castigava o vivente, fazendo-o gozar muitas e muitas vezes, até desmaiar, à beira de um infarto.
Mas nunca o matava, “Seria um desperdício”, justificava. “Ele é tão gostoso...”.
Os outros demônios perceberam o que se passava e a convocaram para comer-lhe o rabo (não no sentido literal, ela adoraria; na acepção de censurá-la asperamente).
Diabinha, você tem ser mais cruel com os humanos.
Ou vai estar em apuros conosco.
E você sabe, somos maus... disse um deles, com um sorriso perverso.
Ela tremeu de medo, mas contra-argumentou: Po-posso tentar, mas é tão mais gostoso fazer maldades enquanto faço coisinhas...
E quando o cara não me faz gozar, aí sou má de verdade, rogo uma praga, ele broxa de vez, passa a mijar no sapato para sempre!
Os diabões deram de ombros, desiludidos.
E convocaram uma reunião sem a presença dela.
- O jeito é ela mudar de banda – disse um deles.
– Vou ao orún, plano espiritual do candomblé, levar um lero com exus e pomba giras.
Chegando lá, convocou as lideranças do outro panteão (que NÂO são diabos, apesar dos uivos de exorcismo de pastores fundamentalistas cascudões) e explicou o que se passava.
- Então, temos uma diaba que só pensa em trepar, está muito mais pra uma pomba gira do que para uma súdita de Lúcifer – resumiu. –
Ela pode vir para cá?
Exus e pomba giras pensaram, “Carne nova na zona!”.
E concordaram na hora.
E foi assim que a diabinha trocou os domínios infernais pela condição de mensageira dos orixás, atribuição de exus e pombagiras.
Mas isso não lhe exige muito tempo, e passa as horas livres confraternizando – na cama – com sua nova galera de exus e exuas. E ainda consegue fazer coisinhas com machos e fêmeas humanos, que ocupam uma posição especial em seu coração e em suas partes baixas.
E, presente dos deuses do candomblé, ganhou um nome, o primeiro em sua longa existência: Dê, diminutivo de demônia.
Mas é também a terceira pessoa do singular do imperativo do verbo dar e, justificando a denominação, a pomba gira Dê dá, dá adoidado, dá o tempo todo, dá com um sorriso nos lábios e as pernas bem abertas.
Um pouco mais ...
Ainda que não queiramos ou não consigamos ver ou sentir,
não existe sombra sem luz, lagrima sem sorriso, derrota sem
vitória, inverno sem verão, outono sem primavera, desilusão
sem esperança, velhice sem juventude, morte sem vida e
tampouco solidão completa ...
Em sua infinita bondade, o Criador pensou em tudo para que
jamais pudéssemos viver, um minuto sequer, sem sentirmos
que simultaneamente aquilo que não nos agrada existira,
sempre, um perfume, uma cor, uma sensação, uma visão, uma
atitude, um gesto, um gosto que nos faça bem, que nos faça
lembrar a importancia de tudo que existe em nossas vidas, em
nossos corpos, na natureza, no Universo ...
Ha determinadas fases de nossas vidas em que tudo nos parece
ter chegado ao fim, em que nos confinamos em nós mesmos,
como se pérolas dentro de ostras, criando uma redoma que nos
afaste do alcance do mundo ...
Nessas ocasiões, fechamos os olhos e não conseguimos olhar
sequer para o nosso interior, tapamos os ouvidos e não ouvimos
nem mesmo os gritos de nossa alma, cerramos a boca e nos
proibimos até que sintamos o nosso próprio halito, vestimos um
manto nos furtando o direito de sentirmos até mesmo o frescor
de uma suave brisa que poderia ser o toque magico que a natureza
nos fornece, presenteando-nos com a certeza de que a vida existe
através do ar que respiramos, da sensibilidade existente em nossa
pele, da caricia divinal que nos toca ...
E, se não acordamos em tempo, corremos o sério risco de nos
mantermos vegetando, sem aproveitarmos as oportunidades de
vivermos momentos que nos elevam, que nos ensinam, que nos
permitem evoluirmos espiritualmente, razão maior desta vida ...
Quando crianças, queremos aprender e entender, e vivemos
perguntando, ansiosos por respostas que satisfaçam a nossa
curiosidade ...
Chegamos a juventude e, certos de conhecermos melhor a vida do
que os adultos e os velhos que, aos nossos olhos, não souberam
aproveitar tanto quanto nós e tampouco tiveram condições de tanta
aprendizagem, passamos a querer mudar tudo que não condiz com
aquilo que julgamos verdadeiro, promissor, autentico ...
E nos permitimos paixões de todos os tipos, por pessoas, pelo
trabalho, pelos esportes, pelo estudo, por valores que são tão nossos
e que nos orgulhamos de apresentar aos outros ...
E discutimos, e nos expomos ...
E sonhamos ...
Ah, como sonhamos ...
Adultos, nos deparamos com o excesso de responsabilidades,
compromissos, e, apesar de uma grande corrida contra o tempo,
somos abençoados com a possibilidade e a concretização dos nossos
mais remotos sonhos, formando uma família que nos tem por raizes,
através da qual podemos materializar o nosso aprendizado, entregarmos
todo nosso amor, colhermos os mais saborosos frutos nascidos do
carinho e das sementes que regamos com amor e cuidado, dentro dos
principios de moral, fé, dignidade e responsabilidade que aprimoramos
durante a nossa existencia ...
E, num dado momento, nos sentimos gratificados a sensação do dever
cumprido ...
Os cabelos se tornaram brancos, a pele já não tem a suavidade de uma
pétala de rosa, ha marcas do tempo em nosso corpo, a velocidade diminuiu,
o cansaço fisico se faz presente mais acentuadamente ...
Mas, como não poderia deixar de ser, e a exemplo do que fizemos por toda
vida, passamos a refletir sobre tudo que plantamos, tudo que colhemos, tudo
que conquistamos, tudo que perdemos ...
E constatamos quantas foram as nossas perdas ...
Perdemos pessoas que amamos muito, pois assim é a vida ...
Temos um tempo limite para permanecermos nesta vida material ...
Alguns, por mais tempo, outros, apenas marcam sua existência entre nós ...
Sofremos inumeras decepções, vimos sonhos que tinham tempo certo para
serem realizados, não concretizados ...
Detectamos quantas vezes falhamos, nos omitimos, nos amedrontamos,
tiramos o nosso time de campo antes do momento certo, as vezes pela
nossa impaciencia, outras pela nossa ansiedade, muitas pela desilusão e
desesperança, inumeras pela nossa incompreensão, tantas pela nossa
covardia, outras pela absoluta falta de fé, em nós mesmos ou em Deus ...
Mas toda moeda tem duas faces ...
E jamais podemos deixar de olhar o outro lado ...
Durante essa mesma reflexão, é imperioso que saibamos valorizar tudo que
ainda esta ao nosso alcance ...
Ao alcance dos nossos olhos, dos nossos ouvidos, do nosso tato, da nossa
boca, das nossas mãos, das nossas pernas, dos nossos braços, do nosso
coração ...
E o nosso primeiro agradecimento e satisfação devem ser a capacidade de
pensar, de refletir, de ponderar, de analisar, que continuamos tendo ...
Direitos inalienaveis e intransferiveis que nos acompanham desde que
nascemos ...
Capacidade de enxergarmos, ainda que o órgão da visão já não funcione com
a perfeição de outrora, a beleza das cores, da natureza, do ser humano, dos
animais, dos alimentos, das flores, do sol, das estrelas, do luar, do mar, da
frigidez de um olhar ...
Capacidade de sentirmos os perfumes que nos envolvem, das flores, dos
alimentos, das arvores, do mato, da terra, de cada ser, o nosso próprio ...
Capacidade de ouvirmos cada som que chega até nós, o cantar dos pássaros,
a melodia do vento, o uivo do cão solitário em plena madrugada, o choro de
uma criança e também dos adultos, o som da TV, do radio, do teclado, do
ventilador ou do ar condicionado, da mosca ou pernilongo que zumbe no
ambiente aparentemente silencioso em que nos encontramos, da água pingando
de uma torneira, das ondas do mar no seu vai-e-vem, dos gritos da nossa alma ...
Capacidade de sentirmos o sabor dos alimentos, de um beijo, da lagrima que
nasce dos nossos olhos para morrer nos nossos lábios ...
Capacidade de utilizarmos o nosso tato, apurando a diferença entre o liso e o
enrugado, o quente e o frio, o seco e o molhado, o calor de outro corpo, alem
do nosso próprio ...
Capacidade de nos locomovermos, de abraçarmos, de pegarmos no colo, de
buscarmos um colo, de nos tocarmos e nos sentirmos absolutamente vivos ...
E, divinamente, a eterna capacidade de continuarmos sonhando, realizando, nos
doando, nos entregando, nos amando e amando incontestavelmente aos nossos
irmãos, aos nossos frutos e a quem aprendemos a amar nesta e em outras vidas
e que amaremos eternamente ...
E todas essas certezas nos levam a concluir que jamais estamos ou estaremos
solitários ...
Muito mais do que a presença de outro ser ao nosso lado, temos a nossa própria
presença e, acima de tudo, a presença do Criador que, em momento algum, permitiria
que algum dos seus filhos vivesse na solidão, nem que quisesse por, na sua ignorancia,
acreditar que isso seria possivel ...
Temos pleno conhecimento de que o nosso tempo nesta vida terrena é limitado, graças
a Deus ...
E, exatamente por isso, é nossa obrigação vivermos cada momento da melhor forma
possivel, aproveitando os nossos dons, aplicando o nosso aprendizado, praticando os
conhecimentos que adquirimos não só nesta vida, mas em todas as nossas existencias,
agradecendo, todos os dias, pela nova oportunidade que temos de evoluirmos sempre
um pouco mais ...